quarta-feira, 9 de março de 2016

As mudanças de padrão e suas implicações práticas

Em 1989, quando o Brasil elegeu o jovem e, até então pouco conhecido político alagoano Fernando Collor de Mello, para a Presidência da República, muitos esperavam, no entanto poucos acreditavam, em tantas mudanças que estariam por vir. Tais transformações foram consolidadas somente mais tarde, nos Governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que alteraram completamente a forma de implementar novos padrões, quebrando um grande paradigma existente, particularmente na gestão das empresas e no patrimônio dos cidadãos e das famílias.

Até o ano de 1989 o fenômeno da obsolescência de produtos era muito incipiente, haja vista a alta inflação no país e uma economia fechada. Para exemplificar, modelos de automóveis que para Collor eram ‘‘carroças’’ permaneciam em linha de produção por longos períodos, assim como boa parte dos produtos disponíveis no mercado à época. Não havia a preocupação, como ocorre atualmente, de se lançar novos produtos com maior tecnologia para atender ao consumidor, pois a concorrência era pequena. No caso dos automóveis, no Brasil, em 1989, havia apenas cinco montadoras e era muito fácil saber quais eram os modelos fabricados por cada uma delas.

Retomando ao paradigma, a primeira etapa do rompimento ocorreu com o advento da abertura econômica. Empresas que mantinham estoque de produtos como forma de reservar o valor de seu patrimônio para proteger-se da inflação que destruía o valor do dinheiro caso o possuísse em espécie, começaram a enfrentar uma nova dificuldade. Isto porque com a abertura da economia, o processo de obsolescência se intensificou e aqueles que possuíam grandes estoques de produtos começaram a ter que fazer um esforço muito maior para conseguir vendê-los. A grande questão é que houve quem demorou muito para entender a nova realidade, o que levou muitas empresas da época à falência.

A segunda grande etapa veio por meio da Medida Provisória 434, no início do ano de 1994, que criou a Unidade Real de Valor – URV, por meio da qual o Governo conseguiu assumir o controle da inflação, fato consolidado com a implantação do Plano Real, em 01 de julho de 1994. Com o fim da inflação, diminuíram drasticamente as margens de comercialização dos produtos e isso colocou aqueles ainda adeptos dos grandes estoques como reserva de valor em dificuldades ainda maiores.

Assim, o padrão  M – D – M  (mercadoria – dinheiro – mercadoria), deu  lugar  ao  novo  padrão   D – M – D (dinheiro – mercadoria– dinheiro), o que significa que, a partir da posse do dinheiro, investe-se na mercadoria para se obter, num segundo momento, mais dinheiro e não mais mercadoria. E, ainda, à medida da consciência dessa nova realidade, por alguns que o perceberam primeiro, cada vez o tempo de conversão do dinheiro por mercadoria e a conversão novamente em dinheiro passou a ocorrer num intervalo de tempo menor. Esse novo entendimento foi decisivo para determinar a estagnação, o crescimento ou o fim de muitos conglomerados regionais e nacionais.

Agora, estamos prestes a ter mais uma decisiva troca de padrões, particularmente pelas ações da Receita Federal do Brasil, do Banco Central do Brasil e das receitas estaduais. Com o aparato legal existente contra a corrupção, a lavagem de dinheiro e a sonegação fiscal, que possibilitam ao Judiciário autorizar investigações, processar e condenar aos que desrespeitam as leis vigentes, o custo da dissimulação, da sonegação, da falsidade ideológica e do pouco cuidado com a contabilização de tudo que se faz e se tem, passou a ficar muito alto.

Muitos acreditam que ainda é possível construir um patrimônio respeitável ou mantê-lo, para quem já o constituiu, com as mesmas práticas de antes: ou seja, tudo de qualquer jeito, sem apreço por um rigor fiscal e trabalhista, sem uma preocupação com uma contabilidade fiel ao que ocorre com seus negócios e com o seu patrimônio e sem um rigor no ordenamento jurídico e contábil de tudo.

Quem pensa assim terá as mesmas dificuldades que os que ficaram presos ao velho arquétipo do final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Assim, muitos que têm o patrimônio perderão parte dele ou todo e os que pensam assim e não tem esse patrimônio, dificilmente conseguirão obtê-lo. Por esta razão, o momento atual pede uma nova mudança completa de comportamento e também a quebra de um modelo histórico de velhas práticas em nossa sociedade.

Ademais, sempre foi de extrema importância ter uma contabilidade bem estruturada ao que ocorre com os negócios e com o patrimônio. Nos dias atuais, isso passou a ser um fator de valorização do negócio e do patrimônio, uma segurança institucional e uma condição para continuar crescendo de forma sustentável e segura. Além do que, hoje não se valoriza somente o patrimônio aparente ou tangível mas, também, o patrimônio intangível. Sendo mais claro: não basta apenas ter uma empresa que gera lucros. Mas, sim, uma empresa que, além de gerar lucros, não gera nenhum passivo oculto e tem demonstrações contábeis e documentos legais que dão sustentação contábil e jurídica a todos os processos. Hoje tudo precisa ser legítimo.

Para se ter uma ideia, no que diz respeito ao patrimônio tangível, como imóveis, por exemplo, não basta só ter o imóvel. É preciso ter a escritura do imóvel em seu nome e o registro no Cartório de Registro de Imóveis. No cadastro da prefeitura municipal, deverá constar o seu nome como proprietário. As edificações que existirem sobre esse imóvel deverão ter projetos aprovados pela mesma prefeitura e essas edificações deverão estar regularizadas e averbadas, tanto na matrícula no Cartório quanto no cadastro da Prefeitura. Esses cuidados são essenciais para tornar o imóvel mais valorizado e com maior grau de liquidez. Assim,quando se resolver vendê-lo, o número de compradores aumentará porque um imóvel totalmente regularizado e com documentos que espelham o como ele realmente se constitui, além de valer mais, pode ser comercializado mais rapidamente pois oferece maior segurança ao comprador.

Por isso, se você tem um patrimônio ou se ver em condições de adquiri-lo, quer seja constituído por bens tangíveis ou intangíveis, recomenda-se a constituição de uma equipe de profissionais como contadores, consultores financeiros, advogados, arquitetos, engenheiros e corretores de imóveis de confiança e é indicado que não se tome nenhuma decisão de investimento antes de consultá-los. Deve-se considerar a remuneração desses profissionais como parte do investimento e não como um custo. Importante seguir o conselho de quem trabalha com programas de qualidade: “Faça certo da primeira vez”. Por caro e demorado que possa parecer, é mais barato e mais rápido. Deve-se lembrar sempre que um dia o proprietário não estará aqui para, sozinho ou no máximo com o seu cônjuge, tomar decisões em relação ao seu patrimônio. Um dia o mesmo será dividido entre seus herdeiros. E nessa hora, o quanto mais regularizado estiver, maior será o quinhão de cada um e menores serão os conflitos entre eles que, muito provavelmente, pensam muito diferente de quem constituiu o patrimônio.

Os indivíduos que interpretaram primeiro as mudanças ocorridas com a abertura da economia e com a implantação do Plano Real e se adaptaram à nova realidade imposta por esses acontecimentos, lograram sucesso maior na gestão de suas empresas e de seu patrimônio. Para continuar logrando êxito, hoje é novamente necessário mudar os padrões e se adaptar às novas regras impostas pelo novo momento que o país passa cuja palavra de ordem é “legitimidade”. Os processos precisam ser legítimos, existirem não somente de fato como também de direito.

Autor: Alfredo Fonceca Peris